MUDANÇAS

A mudança do cotidiano dessas mulheres com a chegada da Companhia é narrada associada a introdução do medo e do adoecer, fazendo parte das suas falas em vários momentos das entrevistas.
Com a chegada dos jagunços inicia-se uma fase importante que marcaria a desintegração do “mundo” anterior, inclusive pela saída de muitos e chegada de pessoas de fora.

- Depois da briga, eu saí pra lá, pra Ubatuba. Eu ia lá pra Ubatuba, mas não ficava definitivamente. Só ia lá pra uma casa que nós tinha, pagar o imposto, pagar uma coisa, pagar outra, passava 3, 4 dias e vinha embora. Mas o meu marido ficou aqui. O meu marido e os meus filhos ficaram aqui, não saíram. Mas foi uma coisa muito terrível aquela época. Sofremos muito. Agente sofreu muito.

A movimentação das mulheres também se intensifica a partir desse momento. Muitas mulheres que ainda não tinham deixado a vila conhecendo apenas a sede do município, Paraty, onde realizavam suas compras, mudam-se da região para novos lugares.

- As coisas mudaram muito. Nas coisas que nós éramos antigamente, o nosso viver, depois que entrou a firma, a companhia. Mudou né. No trabalhar na roça. Dizendo que a roça, os matos era dela. As matas era tudo dela. A terra era dela. Agente ficou nervoso, comprimidos dentro de casa né, não podia sair. Agente tinha medo de sair, tinha medo de viajar, que ela ameaçava muita coisa pra gente. E agente ficou naquela situação, né... Agente ficou naquela aperreação com a situação, não podia sair no mato cortar uma madeira, cortar uma lenha, cortar uma flor ,né. Não podia cuidar da roça. Proibia até agente fazer a roça. Até a pescaria, proibia até a pescaria não podia pescar. E muita gente de fora , aí, né, muita gente de fora apareceu aí, muito jagunço, tudo armado. Agente tinha medo daquilo. Eles mesmo ameaçaram pra gente, é. Pra gente não saísse. Agente não ia agüentar o que vinha pra cá. E agente sem leitura sem sabedoria, a mente fraca. Agente cresceu nesse lugar, como vai viver em outro lugar?

A resistência da população nativa que foi expulsa diversas vezes por ordem judicial, por jagunços armados foi um dos mecanismos para a preservação local. A criação da SOCIEDADE DE DEFESA DO LITORAL BRASILEIRO, foi também um dos elementos que introduzindo a discussão do uso da terra e seu direito de posse, com reuniões contínuas de esclarecimentos aos trindadeiros prejudicados com a transação imobiliária e articulando-se com mídia, conseguiu paralisar as pretensões e interesses especulativos da multinacional.
O papel que a imprensa desempenhou, solidarizando-se com os caiçaras e denunciando as arbitrariedades que eles estavam sofrendo foi de fundamental importância nesse episódio. Praticamente todos os jornais do eixo Rio - São Paulo passaram a noticiar os acontecimentos ocorridos em Trindade. A repercussão dessas notícias chegou ao exterior, a ponto da Igreja reformada da Holanda pedir um relatório por parte dos posseiros e da Companhia, para se inteirar do que se passava nesta praias do litoral fluminense. A Igreja Holandesa queria saber como eram obtidos os lucros das cadernetas de poupança de seus adeptos religiosos. Como eram obtidos inocentes lucros para os cristãos do primeiro mundo.
O drama das famílias de posseiros do vilarejo de Trindade após nove anos de luta chega ao fim com o acordo firmado ente as partes. Da luta contra a empresa multinacional, os trindadeiros vão receber as escrituras definitivas de suas propriedades, ocupada há mais de dois séculos, no acordo feito com a Companhia. Com as posses garantidas, as famílias que ao longo dos anos resistiram às ordens de despejos, a toda a sorte de ameaças - das agressões físicas ao bloqueio da estrada de acesso ao lugarejo e às sevícias praticadas por jagunços a duas professoras - permaneceram no local, começaram a reconstruir a vila perto da praia, na mesma área onde seus bisavós ergueram os primeiros ranchos de taipa. O acordo foi assinado com a Cobrasinco S. A , após a empresa ter comprado a área da Brascan, companhia ligada a Adela - Agência de Desenvolvimento da América Latina - um poderoso grupo multinacional que controla 240 empresas das quais apenas 8 são nacionais.