Contra essa estrutura a população reage

A tentativa de ocupação, dessa área é tumultuada. Não foram respeitados os direitos de usucapião dos trindadeiros sobre as áreas por eles ocupadas há várias gerações. Contratos mimeografados foram realizados pelos representantes da Companhia. Neles a maioria dos posseiros colocou as impressões digitais do polegar direito para comprovar o recebimento do dinheiro que pagava a indenização da posse. Verificou-se mais tarde que houve adulteração nos documentos, sendo observado a existência de uma linha datilografada sobre as impressões digitais afirmando que “concordo em ceder todos os direitos de posseiro que tenho na aldeia”. A população local foi ameaçada por pistoleiros contratados pela Companhia, fato que foi denunciado por advogados que defendiam as famílias que se recusaram a vender suas posses.
Com início desse processo, verificam-se imediatamente reflexos na região. Desorganização social, alteração da economia, mudanças na ocupação do espaço demográfico, da moradia e novos costumes, colocando essa população frente a uma nova realidade onde foram necessários novos mecanismos de sobrevivência que garantissem a permanência local do grupo que recusava-se a deixar as terras dos seus antepassados.
Os trindadeiros enfrentaram toda a sorte de violência, desde o confronto do seus valores com culturas completamente diversas, até a tentativa de expulsão por meio de tiros, queima de suas casas, roças e agressões físicas. Tratores protegidos por homens armados jogaram terra sobre a cachoeira que abastece o local na tentativa de destrui-la.

- Quando a companhia entrou aqui a gente já tinha medo daqueles jagunços né, que ficavam por aí, pela estrada, pela praia. Foi dessa época aí que agente já ficou com aquele medo.
- Em 75 , agora que eu não sei se foi em 75 ou 76 que a jagunçada entrou aqui, né. Foi daí que veio a polícia acompanhando os jagunços e foi daí que eu comecei a ficar mal da bronquite. Nunca tive crise de bronquite na minha vida. É uma história triste né, triste mesmo se agente se arrecordar. Foi uma luta muito triste, muito grande mesmo né, trator...
- Quando o trator foi lá pra cachoeira né, que ele ia desviar a cachoeira lá pro lado da barra né, foi um desespero. Eu não tive coragem de ir lá, mas eu tava aqui em casa com uma tremedeira, meu Jesus do céu! Aquele dia que o trator entrou lá na cachoeira eu não morri. Eles atiram deram tiros né, e agente aqui achava que eles tavam dando tiros nos trindadeiros né, os trindadeiros tavam lá né. Meu Jesus do céu! Eu me acalmei depois que as meninas vieram falando que não eram, tavam dando tiro assim pro alto. Olha que foi uma tristeza mesmo. Mas graças a Deus não houve morte né, mas eles perturbaram bastante, atrapalhou mesmo.


“Contam os trindadeiros que não queriam vender suas terras. Mas os homens da Companhia que eles chamam de jagunço, vieram com armas de fogo. Carabinas, coisa que nunca tinham visto. Ameaçavam faziam gestos obscenos para as mulheres, assustavam as crianças. E então os trindadeiros começavam a vender suas posses de praia e mudaram - se para as posses de lavoura”. MELAMET, Rachel - Jornal da Tarde, 5 de maio de 1978.
“Barracas improvisadas com bambus e folhas de plástico e um almoço constituído de peixe arroz, feijão e farinha de mandioca(prato típico local), foram preparados ontem pelos habitantes da aldeia de Trindade , que esperam para hoje um dia movimentado com a presença dos membros da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro e da Comissão de Defesa do Patrimônio da Comunidade, além do grande número de autoridades políticas do Rio de Janeiro. A visita tem vários objetivos, mas os principais são dois: uma solenidade marcando a fundação da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro, e a denúncia da devastação do ambiente natural, com a derrubada dos pomares seculares e parte das matas que circundam a aldeia. Esse movimento que está sendo visto pelos nativos da aldeia como uma “festa” , vai permitir um encontro de antigos moradores do lugarejo e pessoas que acompanharam de perto, durante vários anos, a luta contra a especulação imobiliária que até hoje conseguiu a “peso de ouro e com pressões veladas e ostensivas”, conforme afirmam membros das poucas famílias que ainda habitam Trindade, expulsar os trindadeiros do seu “habitat”... A presença de duas comissões de defesa do patrimônio da comunidade e do meio ambiente, além das autoridades políticas na aldeia, trouxe mais esperanças para os trindadeiros, que não querem abandonar seu lugar de origem, considerado por eles como “um paraíso onde não falta nada para viver a vida”. OLIVEIRA, J. Naves - Folha de São Paulo, 14 de maio de 1978.