Depoimentos

A reflexão sobre as mudanças e seu impacto na sociedade local está presente nas falas das mulheres.

- Hoje que o pessoá na Trindade é que chega pra senhora, conversa com a senhora, chega outro, conversa com outro, mas de primeiro, quando agente via uma pessoa assim, corria pra dentro de medo. É que não está acostumado no meio do povo, no meio do povoado. Tem pessoa que quando escuta a fala corre. Porque antigamente agente era muito analfabeto, crescemos naquilo assim. Agente tava aí na praia, qualquer coisa aí, agente era menina também né, agente era criança também, menina. Agente não tinha aquela orientação. Ah tá chegando um barco aí, ai como é que diz? Os marinheiros, de primeiro chamava marinheiros. Os marinheiros vem aí, vão agarrar em nós, agente se escondia em uma pedra. Deixava eles passarem, pra depois agente sair, ir embora. Hoje nosso filhos faz assim que nem nós? É ruim fazer, ainda vão lá ver. Naquele tempo era nervoso medroso. Não é que nem hoje. Fala com um, fala com outro. Naquela época o povo era muito pouco. As pessoa que moravam era pouca gente .


A divisão das tarefas no grupo familiar é uma constante na forma de organização local.

- Tinha os filhos tudo miúdo, era uma correria né. Porque eu tinha que fazer tudo cedo em casa, pra ir pra roça né. Porque eu ajudava a minha mãe né, na roça. Eu deixava tudo pronto. Que eu tinha meu pai né pra tomar conta das crianças né, e depois que o meu pai faleceu aí eu dei um tempo né, porque aí não tinha com quem deixar já as crianças né. Porque aí os três maiores já iam pra roça com a mamãe. E, ficavam as duas menores. Aí não tinha como deixar né.

Os hábitos alimentares nos mostram que agricultura de subsistência supre a família nas suas necessidades básicas.

- Fazia a comida, pras pequenas agente dava primeiro a banana, cozinhava a banana e dava, depois já fazia papa de farinha já dava, depois com seis meses agente já começava a dar comida de panela feijão, arroz né, peixe né, que aqui o que agente usava comer mais era peixe mesmo né. Antes tempo, as carnes eram melhor do que agora né, carne seca aquelas carnes seca boa; lavava a roupa deixava tudo pronto né que era pro meu pai dar comida a eles né. Depois eu ia sozinha ia atrás.

A descrição da infância e juventude dessas mulheres, vista como sacrificadas, nos revela em suas narrações que Trindade apresentava-se segura e tranquila para viver .

- Naquele tempo eu não tinha medo de passar aí. Agente passa esse pedaço daqui, praia, o morro do sapé, né. A nossa roça é um pouquinho antes da entrada da praia Brava, então não encontrava com ninguém, só com os trindadeiros mesmo né .

A educação formal inexistia, mas encontramos o interesse na alfabetização em 10 mulheres do grupo estudado.

- Estudei só o Abc, aprendi com a luz do fogo. Quando tinha uma folgazinha ia estudar, como de dia não tinha tempo, tinha café pra apanhar, pra trabalhar na roça, pra fazer farinha, pra remendar roupa que agente usava roupa remendada. Hoje ninguém usa roupa remendada, né. Hoje ninguém usa, mas naquele tempo, usava pra ir pra roça, pra pescaria por aí. Então estudava o livro de noite, acendia o fogo, usava lenha. Então aprendi, porque tinha muita vontade de aprender leitura, tinha mesmo. Gostava de aprender a ler, gostava mesmo. Eu ainda me casei com essa idade (17), porque meu pai era solteiro, viúvo, queria casar também, mas não queria que eu andasse nas costas dele queria andar sozinho. E eu não tinha vontade de casar, eu pensava na luta de casar. Que eu via minhas irmãs casar. Eu olhava a luta das minhas irmãs, não vou me casar não. Minhas irmãs lá chorando, aí com essas criançadas atrás dela, eu via aquilo, né, mas o pai quis que eu casasse né. Ele queria sair, queria passear de noite, não queria que agente fosse nas costas dele passear com ele .
- Agente ia buscar lenha, isso eu era moça mocinha. Vamos buscar uma lenha na roça. Cortava no mato quando via madeira seca. Nós ia pro mato pegar lenha, nós dizia, mamãe pode contar que duas horas da tarde nós estamos aqui. Porque meio dia agente pisava na sombra. Aí nós pegava e fazia dois feixos. Pegava um trazia, né. Deixava em casa tomava um café. E voltava pra buscar a lenha e tomar banho. Fazia uma pilha dentro de casa. Porque chegava o tempo de chuva e tinha lenha dentro de casa .